quinta-feira, 4 de junho de 2009

É difícil conversar com pessoas com as quais jamais encontrei, cujos rostos jamais vi se mexendo e cujas vozes jamais ouvi.
Há uns anos eu não me importava com isto, mas no último lustro minha vida virou pelo avesso, ou talvez tenha virado para o lado certo, pois escapei de me tornar ateu; isto sem ter que encher bolsos de um espertalhão, foi por conta própria.
Hora me xingando, hora me agradecendo, as pessoas começaram a desabafar comigo (logo comigo!) e contar detalhes de suas vidas.
Pode parecer banal, na maioria das vezes é, mas nestes melindres que é a vida eu já peguei gente desesperada. Uma tentou suicídio, outro conseguiu. A que tentou só agora, ano e meio depois, começa a se recuperar e reavivar sua chama. Ela e tantas outras pessoas passaram pela minha caixa de mensagens, ás vezes mudando de e-mail e usando pseudônimos, algumas sem a mínima noção desapareceram rapidamente.
Houve gente precisando do meu ombro, justo quando eu mesmo mais precisava de um. Eu, que cheguei a me preparar espiritualmente para a clausura, precisei atender a até sete cartas electrônicas por dia. Não simples cartinhas de "Oi, blz", mas mensagens densas, do tipo que se deve ler duas, três, quantas vezes forem necessárias para saber o que dizer à pessoa.
Ainda hoje sou um homem recluso e prezo a discrição, tenho quase que phobia pela notoriedade. Mas hoje sou blogueiro e há pessoas que pedem para eu falar de alguns assuntos.
É um dharma que conquisto, é certo, mas também é certo de que se trata de um trabalho tremendamente perigoso. Como transportar um coração de cristal fino para transplante; preciso ser ágil para chegar a tempo, mas cuidadoso o bastante para evitar a mínima trinca, ou o paciente padece.
Para vocês que já riram de alguns dos meus textos, digo algo que Hollywood descobriu há décadas: O palhaço é um homem triste, é o sujeito mais taciturno e retraído do mundo. É fácil para ele fazer rir, arrancar um riso dele são outros quinhentos. O pior é que nem sempre ele está disposto a fazer graça, como o cirurgião nem sempre está no melhor de sua coordenação. Mas quando a emergência se apresenta não há jeito, ele tem que pintar o rosto, subir ao palco e cordializar suas entranhas para fazer rir. Ainda que lhe custe uma lágrima. Muitas vezes custa.
Não reclamo, longe disso. Este nem deveria ser um texto tão denso, deveria ser apenas um tapa buraco para evitar um hiato muito grande até o próximo colega publicar. Mas foi o que saiu.
Hoje me escrevem bem menos, acredito que já cumpri com minha missão para com a maioria, da mesma forma alguns permanecem e outros chegam. É duro ter a vida alheia aos seus olhos, quando a tua mesma está complicada, mas não sei se eu compreenderia bem a dor do outro se estivesse escrevendo de um Apple com inernet sem fio de banda larga, em um chalé em Campos do Jordão. Talvez agora eu pudesse me dar este suporte, se a grana sobrasse para tanto, mas não sei se há cinco anos seria assim.
Não reclamo. Podem vir quantos precisarem, não estou no mundo a passeio e não será agora que vou enforcar o serviço.


P.S: Texto originalmente publicado no Talicoisa, trazido para cá a pedido do Filho de Oxóssi.

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