segunda-feira, 22 de abril de 2013

Deus e os deuses


Monoteístas e politeístas têm se enfrentado ao longo dos milênios, como quase tudo na história, por causa de tradições mal explicadas. Os primeiros levaram a pior durante a maior parte da história, de dois mil anos para cá, a situação se inverteu. Como costuma dizer a Doutora professora Rosane Alencar, os perseguidos tendem a se tornar carrascos piores do que seus antigos algozes. Quem estudou história antiga e medieval, ainda que sem a dedicação necessária, sabe do que estou falando.

Vamos então directo ao assunto: NÃO CONFUNDAM OS DEUSES COM O CRIADOR!!!! Farei um pequeno rodeio para facilitar a compreensão.

Quando Moisés distribuiu cajadadas a torto e a direito, ele não fez por mal... pelo menos não enquanto estava com os nervos ainda sob a pele. Ele fez todo um código de conduta para os hebreus, porque viu logo com quem estava lidando: Um povo que choramingava de fome no Egito, mas depois reclamava que tinham fartura de pão e se sentavam às panelas cheias de carne, mas agora estavam morrendo de sede no deserto.

Qual o momento de maior fúria? Sim, foi o lance do bezerro de ouro. Moisés deveria tê-lo feito criar vida e chifrar todo mundo, mas se contentou em mandar um raio e derreter a tranqueirinha. Depois de novo lá foi Moisés, subindo a ladeira, com duas placas de pedra nas mãos, sabe-se lá sob que temperatura e incidência de raios ultravioletas.

Por que cargas d'água eles, que sempre foram monoteístas convictos, de repente começaram a adorar um bibelô de ouro? Não, não é só por ter sido feito de ouro. Para quem ainda não entendeu, aquilo era magia egípcia, a mesma que eles renegaram durante séculos de cativeiro. Renegaram, mas conheceram muito bem, como Moisés conheceu nos tempos palacianos. O auge do Egito já tinha ficado para trás, e sabemos que Akenaton foi o único faraó a tentar abrir os olhos do povo para o equívoco cometido. Acontece que estávamos (nós estivemos lá, a maioria não se lembra, mas estivemos) pegando atalhos perigosos, adorando fervorosamente as divindades que, no fundo, eram gente como a gente.

Explico: Como em todo o mundo antigo, as pessoas elegiam deuses locais e pessoais, e se reportavam a eles para as rotinas mais triviais do cotidiano. Imaginem como deve ser chato ouvir o dia todo "Oh, grande divindade, sacrifico este passarinho para pedir uma boa noite de sono", "Oh, grande divindade, sacrifico esta lesma para obter saúde sem precisar ir ao médico", "Oh, grande divindade, sacrifico esta bolacha para conseguir um pacote inteiro de graça"... Eram quase todas reportações de caráter egoísta! Gente pedindo a mulher do outro, gente pedindo vingança, gente pedindo a mulher de volta, gente pedindo revanche... Estavam colocando os deuses uns contra os outros! Imaginem a Fraternidade Branca em pé de guerra por causa de mimimi!!! Claro que eles não aceitavam isso! Mas alguém aceitava.

A falta de noção generalizada, não deixava as pessoas atinarem para um detalhe, os deuses que atendiam o pedido sincero e choroso de um pai que implorava para dar de comer aos filhos, jamais aceitariam o sacrifício de uma filha para dar vento e mandar um bando de insanos para a guerra. Fica fácil compreender que várias entidades passaram a atender pelos mesmos nomes, de acordo com o padrão vibratório de quem os evocava. Sabem aquela bipolaridade crônica de Zeus? É por causa disso. Um monte de espíritos baixos atendiam aos pedidos levianos, feito à divindade grega, e por ela recusados.

Acontece que os deuses um dia foram gente como nós. Alguns deles estavam na legião de degredados, só que tomaram vergonha mais depressa e ascenderam rápido, antes mesmo que Atlântida afundasse. Alguns ainda antes, mas é outra conversa. O facto é que estávamos adorando seres humanos, altamente evoluídos, mas seres humanos, usando-os como atalho para conseguir nossos intentos geralmente egoicos e socialmente pouco aceitáveis. Estávamos, e ainda hoje estamos, dando a eles uma carga de responsabilidade e um pedestal que não lhes cabe e de que eles não gostam... mas os trevosos a-do-ram ser bajulados, são como bacharéis que passam raspando na prova da OAB, e exigem ser chamados de "doutor advogado".

Por conta dessa vulnerabilidade, e do incômodo, os próprios deuses começaram a mandar gente dar o recado, gente que foi altamente hostilizada, como Akenaton, os profetas bíblicos, o próprio Cristo, que bem pode ser a identidade real de Zeus... mas como éramos (somos) muito rudes, uma palavra suave e gestos carinhosos não produziam resultados, tinha que ser com gente casca-grossa mesmo! João Batista que o diga!

Mas não era só na África e na Ásia que isso acontecia. O "Meu deus é mais forte do que o seu" permeava o mundo inteiro, inclusive nossa bem-quista Irlanda. Talvez por isso Buda tenha preferido não falar em deuses, quando começou a divulgar o caminho da iluminação; quem o percorresse os encontraria por conta própria, e por fim o próprio Criador. Isso dá aos chateus a impressão, que travestem de convicção, de que um budista é ateu.

As mitologias nada mais são do que parábolas, que relatam muito sucintamente, a criação dos deuses, ainda como seres de baixa vibração, passando pela evolução, seus erros, carmas, resgates, até a ascensão. O mito de Hércules é o mais icônico e fácil de entender. Sempre que alguém faz um grande sacrifício a um deus, o mesmo põe a mão na testa e pensa "Quem sou eu para merecer isto??", tanto mais quanto maior o grau de sofrimento envolvido. Não preciso dizer o que eles pensam da autoflagelação, muito menos dos sacrifícios humanos. Quem se dispuser a estudar com afinco as mitologias, vai ter surpresas de que os olhos céticos privam seus portadores.

Todos eles, a partir do momento em que alcançaram a iluminação, tiveram aquele "click" de quem finalmente entende toda a moral da história, e encontra o fio da meada. Muitos deles deram de cara com gente que um dia adoraram como divindades supremas. Oras, elas um dia foram gente como nós, cometeram basicamente os mesmos erros, racharam as caras de vergonha até aprenderem a lição! Quem passa por tudo isso e aprende, não se considera digno de adoração. Raríssimas criaturas passam ilesas por todas as etapas. Tão raras que não entram nas estatísticas.

Algo que um mago tem que aprender desde cedo, é que não importa o quanto sua entidade mais afim seja grande e forte, SEMPRE HAVERÁ UM MAIOR E MAIS FORTE. Acontece que são todos criaturas, e são tanto mais aprimorados quanto mais antigos e testados. Neste conglomerado de galáxias em que vivemos, certamente há os seres que trabalharam no chamado big-bang, que têm um tamanho que não cabe em nossas frágeis imaginações. Mesmo assim eles são criaturas, um dia foram átomos e tiveram que passar a vírus, depois micróbio, enfim... Eles muito menos, gostam de ser venerados, não se consideram dignos. E olha que os caras podem!!!

Por essas e outras que passaram a rejeitar adoração, pedindo que seja dirigida apenas à Fonte, ao Intemporal, ao Supraexistencial, seja lá que nome queira dar ou ainda que prefira não dar nome algum, porque é só quem não precisa dar explicações a ninguém.

Acontece que nestes milênios nós não evoluímos nem metade do que deveríamos, daí a segunda degredação ocorrida em Dezembro último. Se antes defendíamos os deuses com unhas e dentes, como se eles precisassem, hoje defendemos o Criador com unhas e dentes... Defender de quê mesmo? De humanos??? bah! Morri de graça e não achei rir.

Ironicamente, transferimos a adoração politeísta a criaturas extremamente indignas, hoje adoramos pessoas... Artistas canastrões, políticos, jogadores de futebol, até times de futebol, pastores picaretas que muita gente acha que são a redenção da humanidade e querem é lascar todo mundo de uma vez... Os santos, pelo menos, têm alguns protocolos disciplinadores, ninguém coloca Santa Edwiges contra Santo Expedito. Em certa escala, os dois poderiam ser considerados deuses fortes, noutras épocas.

No fim das contas, nós só trocamos rótulos e apresentações, porque os deuses que adoramos em outros séculos, e pelos quais aceitamos morrer na fogueira, são os mesmos que hoje nos apresentam como santos e anjos... e continuamos adorando... Mas nós, bons magos, sabemos desde que despertamos, que eles todos são resultados de suas escolhas e evoluções. Afinal, Pedro não negou três vezes a divindade maior deste planeta, e mesmo assim fez por merecer o que é hoje? Foi até imperador do Brasil!

É uma lição clara no Bhagavad Gita, tudo o que pedimos aos deuses, santos, anjos e afins, é ao Criador que estamos pedindo, é de Sua Providência que tudo acontece, só não faz burlar as próprias leis, como a física. No final das contas, são todos apenas intermediários, que não fazem a menor questão de serem reverenciados, tampouco recompensados pelo bem que praticarem. Só querem respeito e, se não for pedir muito, amizade.

Em suma, para não fazer um catatau homérico, continuamos politeístas, só que de forma camuflada, mesmo acreditando no Supraexistencial, que até a existência criou. Quando? Nunca. A existência não tem início, meus caros, é uma obra contínua, para todos os lados e com infinitas dimensões que se interpenetram, como infinitos fachos de luz podem se cruzar sem causar nem sofrer interferência. Mas isto é outra conversa, para outro texto.