terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Um lugar para pensar besteiras


La-rala-la-la...
Existe um lugar onde se pode pensar besteira. Um lugar onde os bichos podem ser soltos à vontade, desde que estejas fazendo o que o lugar foi feito para se fazer. É lá que os fluídos ruins, as larvas astrais, os obsessores e maus pensamentos hesitam entrar.

Errou quem pensou em uma sala especial, purificada e dedicada a uma divindade guerreira. Não é a sacristia, não é um convento franciscano e tampouco uma cabana no Himalaia. Eu falo do singelo e frugal banheiro.

Sim, caros leitores, o banheiro é um dos lugares mais potencialmente importantes, mas também um dos mais desdenhados de uma casa. Lugar aonde os garotos costumam ir para descarregar hormônios, o banheiro tem uma característica que muitos praticantes e iniciados deixam passar desapercebida, que é a facilidade de circulação de energias, com a circulação a também grande facilidade em nos limpar dessas energias.

Lembrem-se de que Paulo Coelho, no auge do desespero, antes de abandonar a vida sem regras, recorreu ao chuveiro para se livrar de ser engolido pelas sombras. Funcionou, ou ele teria desandado de vez e talvez estivesse nos umbrais mais profundos.

Como funciona? Mesmo sem torneira e ducha ligadas, o banheiro é particularmente rico em ralos, que levam aos encanamentos de esgoto da cidade, que nunca páram de receber e encaminhar água suja; mesmo suja continua sendo água, e como água ela consegue puxar energias como um ímã forte puxa limalhas de ferro. O princípio é o mesmo que a torna o líquido ideal para sessões mediúnicas: magnetismo.

Aqueles feitiços e simpatias de se pular sete ondas, forçar espíritos ruins a atravessarem sete cursos d'água ou a lenda de que um vampiro não pode atravessar um rio, têm todas o mesmo princípio. Assim como a parte material da água consegue dissolver praticamente tudo, ainda mais com a ajuda do sabão, a parte sutil também o faz. Não, caros iniciantes, não são só os humanos que têm espírito, nem mesmo só os seres vivos. Uma espiritualidade extremamente primitiva é inerente a tudo o que existe, e a da água é bastante forte. Por isso se aconselha um banho de mar para descarregar. Por isso os espíritos das trevas incentivam à poluição e degradação dos mananciais.

Quando pensamos, recapitulando o pré-chulé da magia, não é só o cérebro que se modifica, a mente também se molda e (pasmem) produz coisinhas tal qual aquele desenho de mansão de amigos imaginários cujo nome me foge agora. Mas só pensamentos bons produzem criaturas legais como os amigos imaginários da... Mansão Foster, creio que é isto. Certo. Imagine-se pensando em algo. Uma bolotinha de energia se forma e se molda aos poucos, tanto mais e mais fiél quando mais se pensar naquilo. Pode durar uns segundos, pode durar a vida inteira. Se for no quanto gostas daquela guria de tranças da tua classe, certamente sairá algo bonito. Se for na raiva que sentes por ela não te dar bola, sairá algo feio.

Isto é, a grosso modo, uma forma-pensamento. É como um microorganismo, que tem como única programação a própria existência. Não tem curiosidade, não tem sentimentos, não tem perspectivas. Ela só quer existir. Como um microorganismo, está disposta a tudo para continuar existindo, então vai vibrar na freqüência daquilo que a criou, te induzindo a pensar mais no mesmo assunto. A forma-pensamento se alimenta disso. Mas ela só pode te induzir, acatar a indução é problema teu.

Ao contrário do micróbio, coitado, que morre antes mesmo que consigamos dar-lhe um nome, a forma-pensamento vive enquanto for alimentada. Vive e evolui. Com o tempo se torna uma larva astral, que tem a capacidade de tomar a forma que quiser. É como uma meleca que se molda fácil e rapidamente a tudo o que lhe for conveniente, ou seja, ao estímulo dos pensamentos e sentimentos que a geraram. Ela pode inclusive se tornar uma obsessora, tomando a forma daquela guria (em uma versão totalmente promíscua) e te fazendo ter "sonhos" libidinosos todas as noites, não se importando com as conseqüências. Alguns crimes passionais têm esta origem. Não que o criminoso não seja culpado, ele é, ele foi invigilante e permitiu de livre arbítrio que os pensamentos ruins continuassem. Ele gostou daqueles pensamentos e os alimentou. Agora imaginem a quantidade e qualidade de formas-pensamento ruins que povoam essas raves cheias de permissividades e abusos de drogas. Se alguém sair de uma gritando que viu um vampiro, provavelmente viu mesmo. Com o tempo um desencarnado pode conseguir vestir direitinho aquela larva astral e tomar a forma que quiser para os propósitos que quiser, inclusive continuar se drogando depois de morto, sugando a aura apodrecida dos usuários. Tens nojo de barata? Então fique longe de raves.

É, moleque, agora sabes porque te mandam estudar ou procurar serviço, quando começas a fazer besteiras. Uma actividade útil que não seja somente em benefício próprio, ajuda a sanear as idéias. No mínimo atenuar. Agora vá caçar algo de útil para se distrair, vá.
Por experiência própria eu recomendo ir ao banheiro, quando estiverem prestes a explodir. Aconselho com mais ênfase se o intestino estiver cheio. Quando faço uma limpeza em alguém, costuma ir tudo para o baixo ventre, que é a parte mais propícia para lidar com essas energias densas. Literalmente defeco as energias ruins.

"Pronto, agora bosta virou espírito", vai pensar um cético azedo que não foi chamado à conversa. Vamos recapitular de novo, estudantes e praticantes. O espírito, ou seja, todo mundo, não é uma entidade amorpha e intangível. Ele é uma matéria mais sutil, ligado ao corpo por um adaptador chamado perispírito. Embora permeie facilmente a matéria densa de que somos feitos, também respeita as leis da física. Ele se molda ao organismo que utiliza, então nossa parte espiritual também tem intestino, do qual se vale para jogar fora tudo o que não lhe convém. Assim como o intestino muscular joga fora as toxinas, o espiritual também joga, pelos mesmos meios e do mesmo jeito. Acionando a descarga, forma-se um vácuo em ambas as dimensões, que puxa mais um pouco de porcaria. Limpando-se direitinho, de preferência com um banho, as formas-pensamento e larvas astrais danosas não terão mais o que as alimentava e se dissolvem na natureza. Por isto, aliás, é desaconselhável usar o pentagrama com a ponta para baixo em perímetro urbano, tu não sabes que tipo de energia está circulando sob o solo.
O ideal, mas sei que a maioria de vocês treme só de pensar, é tomar um longo banho frio. Porque a baixa temperatura não afeta só o corpo, ele afeta as ligações sutís com ele. O que não estiver bem ancorado, como a pessoa que reencarnou lá, sai mais facilmente. O banho quente, pelo contrário, além de acabar com tua pele fornece energia para os parasitas perseverarem. É por isso que a maioria das histórias antigas de assombração tem uma lareira em algum ponto da trama.
Eu também sei que tomar um banho longo, para quem mora em família, é quase utopia. Sugiro então que faça uma oração, prece, invocação ou o que lhe for mais condizente, no início e no fim do banho. É quase como tomar banho em água benta. E tenham certeza de que alguns de vocês conseguem fluidificar a água e torná-la benta, mesmo jorrando com toda força pelo chuveiro. Tentem que nada custa e em nada assusta, pelo contrário, vão estranhar é o alívio que sentirão.
Mas aqui vão algumas considerações:
  • Como todo "dispositivo", o banheiro precisa de manutenção para funcionar a contento. Mantenha o teu nas melhores condições possíveis;
  • Não sabote tua limpeza, mantenha o banheiro limpo como se fosse comer no azulejo, mas por favor não faça isto!!! Simplesmente deixe-o limpo e organizado. Coma à mesa, utilizando prato e talheres;
  • Quanto melhor a iluminação natural, melhor a ventilação, é como um turbo, que aumenta eficiência e potência do banheiro, e sem riscos de quebrar uma biela;
  • Porque ele absorve energia, desaconselho deixar a porta aberta, ou a tua energia vital também começará a ir pelo ralo, literalmente;
  • Prefira os ralos escamoteáveis, que podem ser fechados quando não utilizados, poupam-nos de agentes patogênicos nos dois planos existenciais;
  • Cerâmica escura pode ser chique, mas assim como um pretinho básico não entra na sala de cirurgia, ela também não deve entrar  no local de purificação. Cor escura acumula e estagna energia, energia estagnada atrai larvas astrais.
  • Incensos, perfumes que não te ataquem a alergia, sais de banho e música suave só fazem bem, mas também podem te fazer demorar demais e gerar uma gritaria lá fora.
Entendidos? Então, já para o banho.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Recontando uma parábola

Acabou a inocência, vocês já sabem o que fazer.
Os irmãos siameses estavam crescendo rápido. Gostavam do facto de poderem levantar pesos elevados e fazerem várias cousas ao mesmo tempo, já que eram dois pares de membros agindo juntos.
Com o tempo, porém, os interesses começaram a diferir. Ela queria colher flores, ele pular no rio; ela queria descansar à sombra da árvore, ele em cima de um galho; ela queria correr atrás de uma borboleta, ele também, mas para espetar a pobrezinha em um espinho. E na hora das necessidades? Ave Maria! Ele se divertia fazendo jatos para longe, ela queria sossego para se agaixar e se limpar. Já não eram mais crianças.
A convivência estava ficando difícil, agravada pela impossibilidade de cada um fazer o que queria. Chegou o ponto em que o pênis dele começava a erigir por qualquer motivo, e os seios dela a se tornarem grandes e protuberantes; eles perceberam isso. Foram ao zelador do jardim para tratar do assunto...
- Realmente, vocês estão crescendo mais rápido do que supúnhamos. A actual condição não lhes serve mais. Vamos separá-los. Acalmem-se, façam uma refeição leve e vão dormir. Durante a noite trabalharemos.
Durante o sono, enquanto os espíritos vagavam livres como não podiam nos corpos, a apoptose fez seu serviço. Eles foram separados. Assim que acordaram, tomaram um baita susto ao se verem distanciando um do outro. Ele teve ereção instantânea, pediu licença e correu para uma moita, voltou em seguida para conversarem sobre o assunto. Apesar do medo inicial, combinaram que continuariam a fazer basicamente as mesmas cousas de cunho coletivo, mas cuidariam de assuntos particulares sem interferência do outro. As personalidades rapidamente se opuseram, já trilhavam caminhos distintos.
Durante o almoço, com o peixe que ele pegou e os tubérculos que ela colheu, o zelador apareceu à sua frente. Sabia bem de tudo o que tinha acontecido, mas deixou que eles mesmos falassem. Pelas falas percebeu que ainda não estavam prontos, seus corpos amadureceram mais rápido do que o intelecto, mas estavam bem mais avançados do que era esperado...
- Vocês dois não são mais crianças. Está chegando o momento de assumirem a responsabilidade para a qual foram criados. O que vocês sentiram hoje cedo foi atração sexual, de que lhes alertei há uns anos e com a qual terão que lidar, quando saírem ao mundo. Doravante lhes ensinarei a lida com a manutenção do jardim, para que se acostumem com o trabalho manual e se preparem melhor para o que virá.
O trabalho ajudava a tirar a atenção do sexo, os dois logo aprenderam e se valeram disso. Os dias, que às vezes eram enfadonhos, começaram a ficar curtos, recheados pelas actividades e pelo cansaço moderado no fim da tarde. Tiravam um dia por semana para descansar, mas depois voltavam ao batente, pois crianças ocupadas são até mais felizes.
Em poucos anos o zelador viu que estavam quase prontos, então os chamava todas as noites, fora dos corpos, para que se familiarizassem com o mundo lá fora. Que mundo grotesco! Que primitivismo! Quanta selvageria! Corpos incomparávelmente mais densos e limitados do que os seus. Mas era, como eles mesmos, um mundo de espécies novas, ainda muito jovens e sem noção de si mesmas...
- Estas serão as matrizes. Vocês vão ensiná-las a agir mais com a razão e os sentimentos, menos com os instintos, para que evoluam e fiquem prontos para o início de sua jornada.
- Vai levar muito tempo!
- Sim, meu filho, muito tempo. Mas porque vocês ficaram prontos antes do esperado e os encontraram ainda em estado selvagem.
- Por que eles pegam as fêmeas à força?
- Porque não sabem pedir. Não sabem sequer articular palavras! Para ambos só a química de seus cérebros importa. Vocês terão uma missão dura, os exilados começarão a encarnar e provavelmente corromperão os primitivos. Sua função, pelos próximos vinte e cinco mil anos, será balancear as emoções extremistas que eles alimentarão, por se sentirem seguros nelas.
Todas as noites, durante mais de um milênio, os dois estudaram e trabalharam com afinco, estudo e trabalho para forjar sua formação e seu caráter. Em contraste, tinham uma espécie indolente e espertalhona para colocar nos trilhos.
Certa feita, cheios de confiança, os dois foram a uma árvore à qual foram proibidos de se dirigir até terem a devida permissão. Sem saber de onde, a confiança os preenchia e ambos se aproximaram. Estranharam a ausência do zelador, mas a árvore precisava ser limpa, como todas as outras, então foram limpá-la. Adão puxou a última folha seca do galho e com ela veio uma fruta. Ofereceu-a à Eva, que agradeceu, mas disse que ele estava mais cansado e precisava repor suas energias. Combinaram de dividir a fruta, comeram cada um sua metade e ouviram um estrondo, após o quê o zelador desceu da árvore, em seu corpo apode...
- Vocês estão prontos, é hora de irem embora.
Choro, claro, afinal sempre viveram naquele lugar e a serpente os avisou com uma racionalidade dura, quase cruél. Entretanto, findados os protestos, um grupo de anjos veio explicar a verdadeira natureza de seu professor, que aprendeu a ser duro e suave de acordo com a necessidade, como eles deveriam ser com seus tutelados de então em diante. A serpente, explicaram, estava tão triste com a partida quanto eles, mas sabia que era o melhor e que eles seriam mais felizes após a missão cumprida, após a qual poderiam voltar ao seu lar. Apenas dez anos de despedida e últimas orientações, então desceram ao mundo. Sabiam que tudo o que fizessem seria deturpado, mas precisava ser feito. A serpente disse adeus e voltou ao jardim, sem demonstrar s tristeza pela separação, mas sabia que eles nunca ficariam sozinhos na empreitada.