Era uma vez um coche, um grande e confortável coche.
O cocheiro conduzia paciente seus passageiros, mantendo o forte animal de tração sob controle. Às vezes ao animal era deixada a decisão do que fazer. Eram situações em que o intelecto humano não conseguia discernir em tempo hábil, quando os instintos prontos são mais importantes do que o raciocínio.
Com o tempo, os passageiros notaram que tudo parecia andar mais rápido com o animal decidindo. Não se preocupavam em investigar e descobrir que o cocheiro dosava a liberdade, para que ele não colocasse suas necessidades básicas acima da segurança. Certo dia um dos passageiros, em um momento de ímpeto, cortou as rédeas que pendiam, enquanto o animal se alimentava. O coche voltou a andar, então deduziram que o cocheiro seria desnecessário, embora não pudessem dispensá-lo.
Livre e sem limites, o animal saiu da estrada para pastar, gerando solavancos e dando aos passageiros a impressão de que as coisas estavam andando mais depressa. na realidade apenas estavam passando por obstáculos que não seriam necessários, se não tivessem saído da estrada. Os que colocavam as cabeças para fora do veículo viam mais do que os que se mantinham em seu conforto, viam que o animal se esforçava para superar pedras e valetas, então retornavam aos outros e contavam o quanto a besta estava se sacrificando para levá-los ao seu destino, algo que jamais viram o cocheiro fazer.
Não notavam também que o percurso acidentado danificava aos poucos o coche, feito para oferecer conforto e segurança na estrada de onde saíram. O cocheiro gritava, para evitar que o animal destruísse o coche e pusesse tudo a perder, o que irritava cada vez mais os passageiros. Mas eles não podiam sair da cabine e acessar o comando. A escada para tanto ficava fora do seu alcance.
Todos iam se acostumando com o desconforto do novo caminho, perdendo os modos e achando tudo aquilo a cousa mais natural do mundo. Logo o interior do veículo estava tão maltratado quanto o exterior, este por desgaste e aquele por vandalismo. Com o veículo quase sem controle, a velocidade era maior, não percebiam que estavam se demorando mais na viagem.
Em um momento de repouso, à noite, o cocheiro tirou uma tira de sua própria roupa e consertou as rédeas. Já o veículo só poderia ser consertado no destino. De manhã reconduziu-o à estrada, sob brados de protestos e ameaças dos passageiros. Chegaram ao destino quase um dia depois do que eram esperados. A comparação do coche e seus passageiros com os que tinham seguido a estrada sem tantos desvios era aterradora. Estavam maltrapilhos, desgrenhados, suados e com restos de comida pelas roupas. O coche tinha seu interior totalmente rasgado, carcaça com avarias e falta de alguns componentes, rodas empenadas e o animal estava ferido, por ter se aventurado em terreno pedregoso.
Se vocês sabem o significado da palavra "vergonha", é o que aqueles passageiros rebeldes estavam sentindo. Se sentiam como mendigos em uma festa de fidalgos. Teriam que retornar ao lugar de origem para reaprenderem a se portar e tratar de suas feridas. A viagem de volta foi feita em uma carroça mais rústica, com animais mais arredios e um cocheiro mais inclemente. Eles se acusavam uns aos outros durante a viagem, alguns passaram a maldizer o lugar que acabaram de deixar. Chegando ao destino, estavam ainda piores, novamente se sentindo mendigos em festa de fidalgos, pois os residentes do local estavam prontos para irem morar na outra cidade. Os que chegaram, pelo contrário, teriam que ir para um lugar ainda mais precário, pois nem ao lugar de origem se adaptavam mais, o que os revoltava.
Com o tempo, alguns deles precisaram ser internados, protestando, mas tiveram que ser internados para a segurança dos demais. Estavam tão animalizados quanto as bestas de tração dos coches. Não admitiam que sua ousadia fora de hora tinha causado todos aqueles problemas, insistiam em culpar e punir seus companheiros de viagem.
O grupo foi desmembrado. Os que tinham mais condições, foram reencaminhados às casas que ocupavam, para aprenderem com os novos donos a se comportar. A maioria ficou em cabanas nos arredores, recebendo visitas rotineiras para se reacostumarem à civilização. Outra minoria só recebia visitas de médicos e enfermeiros, às vezes de amigos e parentes, pois tinham se tornado agressivos. Alguns, os que mais se aproveitaram dos desvios, só recebiam a visita de médicos e enfermeiros muito fortes, sua alimentação era balanceada para não permitir fortalecimento muscular e os profissionais orientados a não lhes dar ouvidos, somente os tutores travavam (difíceis) diálogos com eles.
Os mais civilizados puderam voltar rapidamente à cidade mais refinada, nos coches dos próximos grupos. A maioria restante foi aos poucos retomando as casas na vila principal e se reacostumando aos bons modos, percebendo que não precisavam se empanturrar para terem uma boa nutrição; e que a comida não correria do prato, poderiam comer com calma. Estes passaram a dar aos demais as lições que aprenderam com seus erros, alertando-os dos perigos de ceder ao afã pela emoção. Emoção e prazer devem ser conseqüências e não objectivos, repetiam quantas vezes fossem necessárias. O empenho em ensinar e ajudar acelerou sua recuperação e logo estavam prontos, alguns para irem a cidades ainda mais refinadas do que aquela de onde voltaram.
O último a se recuperar e poder voltar ao convívio, vendo o mundo completamente diferente, chorou ao rever as ruas. Sabia que sua degeneração era culpa exclusivamente sua e de ninguém mais. Fez o que fez porque quis. Mas como os outros aprendeu a controlar seus pensamentos, para que seus raciocínios não fossem utilizados para fins torpes. Aprendeu e decidiu ficar para ensinar e ajudar a evitar que o erro seja repetido.
Pensamento e raciocínio são semelhantes, mas aquele é a origem, o outro é a sua manipulação. Um animal pensa, afinal gera pulsos neurológicos, alguns produzem ferramentas e formulam escolhas. Raciocinar é uma arte bem mais fina, que depende do controle do pensamento. Todos o fazem inconscientemente, mas visualizar um triângulo vermelho sem que a mente comece a especular a respeito da forma é mais difícil, pois com a especulação o triângulo vermelho começa a mudar de configuração, de tamanho, de tom e logo deixa lugar para um raciocínio derivado, mas completamente diferente. O controle do pensamento se dá quando ele se submete à tua vontade, quando mesmo vendo e ouvindo algo a certo respeito, seu raciocínio não é afetado pela exibição, por mais tentadora que ela lhe seja.
Questão de hierarquia, do que se coloca em primeiro lugar. Pense o que quiseres, mas sem se preocupar com o que se está pensando. caso o pensamento não seja do teu agrado, descarte-o e deixe-o ir embora. Precisa de muita prática e disciplina, mas isto faz parte do aprendizado, não só na magia.
Quando começam as aulas? O que achas que estás fazendo vestido nessa carne?
O cocheiro conduzia paciente seus passageiros, mantendo o forte animal de tração sob controle. Às vezes ao animal era deixada a decisão do que fazer. Eram situações em que o intelecto humano não conseguia discernir em tempo hábil, quando os instintos prontos são mais importantes do que o raciocínio.
Com o tempo, os passageiros notaram que tudo parecia andar mais rápido com o animal decidindo. Não se preocupavam em investigar e descobrir que o cocheiro dosava a liberdade, para que ele não colocasse suas necessidades básicas acima da segurança. Certo dia um dos passageiros, em um momento de ímpeto, cortou as rédeas que pendiam, enquanto o animal se alimentava. O coche voltou a andar, então deduziram que o cocheiro seria desnecessário, embora não pudessem dispensá-lo.
Livre e sem limites, o animal saiu da estrada para pastar, gerando solavancos e dando aos passageiros a impressão de que as coisas estavam andando mais depressa. na realidade apenas estavam passando por obstáculos que não seriam necessários, se não tivessem saído da estrada. Os que colocavam as cabeças para fora do veículo viam mais do que os que se mantinham em seu conforto, viam que o animal se esforçava para superar pedras e valetas, então retornavam aos outros e contavam o quanto a besta estava se sacrificando para levá-los ao seu destino, algo que jamais viram o cocheiro fazer.
Não notavam também que o percurso acidentado danificava aos poucos o coche, feito para oferecer conforto e segurança na estrada de onde saíram. O cocheiro gritava, para evitar que o animal destruísse o coche e pusesse tudo a perder, o que irritava cada vez mais os passageiros. Mas eles não podiam sair da cabine e acessar o comando. A escada para tanto ficava fora do seu alcance.
Todos iam se acostumando com o desconforto do novo caminho, perdendo os modos e achando tudo aquilo a cousa mais natural do mundo. Logo o interior do veículo estava tão maltratado quanto o exterior, este por desgaste e aquele por vandalismo. Com o veículo quase sem controle, a velocidade era maior, não percebiam que estavam se demorando mais na viagem.
Em um momento de repouso, à noite, o cocheiro tirou uma tira de sua própria roupa e consertou as rédeas. Já o veículo só poderia ser consertado no destino. De manhã reconduziu-o à estrada, sob brados de protestos e ameaças dos passageiros. Chegaram ao destino quase um dia depois do que eram esperados. A comparação do coche e seus passageiros com os que tinham seguido a estrada sem tantos desvios era aterradora. Estavam maltrapilhos, desgrenhados, suados e com restos de comida pelas roupas. O coche tinha seu interior totalmente rasgado, carcaça com avarias e falta de alguns componentes, rodas empenadas e o animal estava ferido, por ter se aventurado em terreno pedregoso.
Se vocês sabem o significado da palavra "vergonha", é o que aqueles passageiros rebeldes estavam sentindo. Se sentiam como mendigos em uma festa de fidalgos. Teriam que retornar ao lugar de origem para reaprenderem a se portar e tratar de suas feridas. A viagem de volta foi feita em uma carroça mais rústica, com animais mais arredios e um cocheiro mais inclemente. Eles se acusavam uns aos outros durante a viagem, alguns passaram a maldizer o lugar que acabaram de deixar. Chegando ao destino, estavam ainda piores, novamente se sentindo mendigos em festa de fidalgos, pois os residentes do local estavam prontos para irem morar na outra cidade. Os que chegaram, pelo contrário, teriam que ir para um lugar ainda mais precário, pois nem ao lugar de origem se adaptavam mais, o que os revoltava.
Com o tempo, alguns deles precisaram ser internados, protestando, mas tiveram que ser internados para a segurança dos demais. Estavam tão animalizados quanto as bestas de tração dos coches. Não admitiam que sua ousadia fora de hora tinha causado todos aqueles problemas, insistiam em culpar e punir seus companheiros de viagem.
O grupo foi desmembrado. Os que tinham mais condições, foram reencaminhados às casas que ocupavam, para aprenderem com os novos donos a se comportar. A maioria ficou em cabanas nos arredores, recebendo visitas rotineiras para se reacostumarem à civilização. Outra minoria só recebia visitas de médicos e enfermeiros, às vezes de amigos e parentes, pois tinham se tornado agressivos. Alguns, os que mais se aproveitaram dos desvios, só recebiam a visita de médicos e enfermeiros muito fortes, sua alimentação era balanceada para não permitir fortalecimento muscular e os profissionais orientados a não lhes dar ouvidos, somente os tutores travavam (difíceis) diálogos com eles.
Os mais civilizados puderam voltar rapidamente à cidade mais refinada, nos coches dos próximos grupos. A maioria restante foi aos poucos retomando as casas na vila principal e se reacostumando aos bons modos, percebendo que não precisavam se empanturrar para terem uma boa nutrição; e que a comida não correria do prato, poderiam comer com calma. Estes passaram a dar aos demais as lições que aprenderam com seus erros, alertando-os dos perigos de ceder ao afã pela emoção. Emoção e prazer devem ser conseqüências e não objectivos, repetiam quantas vezes fossem necessárias. O empenho em ensinar e ajudar acelerou sua recuperação e logo estavam prontos, alguns para irem a cidades ainda mais refinadas do que aquela de onde voltaram.
O último a se recuperar e poder voltar ao convívio, vendo o mundo completamente diferente, chorou ao rever as ruas. Sabia que sua degeneração era culpa exclusivamente sua e de ninguém mais. Fez o que fez porque quis. Mas como os outros aprendeu a controlar seus pensamentos, para que seus raciocínios não fossem utilizados para fins torpes. Aprendeu e decidiu ficar para ensinar e ajudar a evitar que o erro seja repetido.
Pensamento e raciocínio são semelhantes, mas aquele é a origem, o outro é a sua manipulação. Um animal pensa, afinal gera pulsos neurológicos, alguns produzem ferramentas e formulam escolhas. Raciocinar é uma arte bem mais fina, que depende do controle do pensamento. Todos o fazem inconscientemente, mas visualizar um triângulo vermelho sem que a mente comece a especular a respeito da forma é mais difícil, pois com a especulação o triângulo vermelho começa a mudar de configuração, de tamanho, de tom e logo deixa lugar para um raciocínio derivado, mas completamente diferente. O controle do pensamento se dá quando ele se submete à tua vontade, quando mesmo vendo e ouvindo algo a certo respeito, seu raciocínio não é afetado pela exibição, por mais tentadora que ela lhe seja.
Questão de hierarquia, do que se coloca em primeiro lugar. Pense o que quiseres, mas sem se preocupar com o que se está pensando. caso o pensamento não seja do teu agrado, descarte-o e deixe-o ir embora. Precisa de muita prática e disciplina, mas isto faz parte do aprendizado, não só na magia.
Quando começam as aulas? O que achas que estás fazendo vestido nessa carne?
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