- Sabe, eu penso assim; se está escrito é porque tem algum valor. Então, por que duvidar? Está lá, você é vingativo, não perdoa os que te desobedecem. E não deve mesmo, pois eu não perdoaria. Imagine só, eu dou tudo, faço tudo pela pessoa e ela me trai? Não, está errado, tem que ser punido, quanto mais severamente melhor.
Outro dia eu estava lendo e vi um exemplo típico. Uma criança pequena fazendo birra pra continuar brincando na lama. Aquela criança não faz nada! Ela não produz coisa alguma, só suga dos pais e é assim que ela agradece! Por que não pode ser quietinha, ficar calminha e brincar comportadinha, do jeito que os pais querem? Se fosse filho meu, teria levado uma surra na frente de todo mundo.
Eu sei muito bem que você é um vingador implacável, justo e generoso. Quem anda na linha não tem o que temer, mas ai de quem sair dela! Vai sofrer por toda a eternidade!
Eu vejo, eles pensam que não, mas eu vejo os desvios que eles cometem! Ahá! Dentre eles, nenhum se salvará.
- Filho, quem escreveu isso?
- Você!
- Há a minha assinatura lá?
- ... Não, mas... Faz milênios que é divulgado como sua palavra e tudo mais!
- Você conhece bem outros idiomas.
- Graças à sua providência!
- Então sabe o quanto uma tradução pode por a perder todo o sentido de um texto.
- Mas está escrito que nada poderia ser acrescido ou extraído!
- Quem escreveu isto?
-...
- Se você não me conhecesse e alguém falasse a meu respeito, você acreditaria de pronto?
- Mas você é...
- Se você não soubesse.
- Eu, desculpe, investigaria.
- Não se desculpe. É exactamente o que você deveria fazer. Eu pedi muitas cousas, mas foram teus irmãos que gravaram em letras, alguns deles estavam muito aborrecidos.
- Você os orientou, não orientou?
- Sem quebrar seu livre arbítrio. Por que você acha que eu não deveria perdoar as faltas, inclusive as suas?
- Mas como pessoas imperfeitas podem entrar no céu?
- Não podem, não porque eu não deixe, mas porque elas não conseguem. Uma vida não basta. Quase ninguém consegue sequer se perdoar em uma vida, que dirá ascender à perfeição de que você fala! Acha que eu ficaria feliz em mandar um de vocês para um sofrimento interminável?
- Não, mas tem gente que pede!
- E eu deixo ir. Mas deixo voltar assim que percebe o erro que cometeu. Você não me pediu perdão tantas vezes por coisas tão pequenas? E eu não perdoei todas?
Vocês são como aquela criança, que muitas vezes precisam chorar pelo brinquedo tirado de suas mãos, pelo seu próprio bem. Mas não cabe ao adulto impor-se com violência, a desproporção de forças é muito grande. Eu não faço mais do que vocês podem suportar, por mais que vocês errem.
- Claro que não, uma faísca de teu amor pode abrasar a Terra!
- Imagine então esta faísca sobre você. Eu os educo segundo as condições de cada um. Você já cometeu erros crassos, mas também actos de nobreza, tudo de acordo com sua capacidade de entendimento. Não deves forçar o outro a atingir a tua capacidade porque ele tem seu próprio tempo, e você com o seu não deve se forçar mais do que sua própria capacidade, para alcançar outro mais adiantado. Brincar no barro não é cousa de adulto, mas é cousa de criança. Não confunda as necessidades, cada fase tem as suas e cada dia tem seus problemas. Não resolverá os seus vigiando os alheios, mas pode conseguir algo se tentar ajudar, como eu sempre faço com você.
- Sei, está escrito que você é justo.
- Tento ser, mas não porque está escrito. O faço por amor a vocês. Realmente, quem anda na linha não tem o que temer, senão o trem do fanatismo. Mas não sou eu quem pune os que andam fora, estes são punidos por suas próprias escolhas. Se você se agarrar à âncora, você vai para o fundo do mar, apesar da sensação de segurança que ela dá.
Eu não sou implacável, apenas faço o que devo e na medida em que devo fazer por vocês. Rigor quando é preciso, amenidades quando é possível. Não porque está escrito, porque o homem corrompido escreve o que quer, mas porque é o melhor para vocês. Quando eu disse para que se amassem uns aos outros como eu a vocês, eu não estava sendo metafórico.
- Mas é tão difícil! E disseram que você até jogou um anjo no inferno por sua rebeldia!
- Ele se jogou nas profundezas porque se agarrou à âncora de seu orgulho. Quem seria capaz de me ameaçar?
- Ninguém em todo o universo!
- Então o que a rebeldia dele representaria para mim?
- Nada?
- Até menos do que nada, mas piedade. Não acredite só porque está escrito ou só porque falam a respeito, nem só porque lhe parece simpático. Muitos se queixam de você, a maioria por motivos torpes. Eu sei o que você faria ou não, em sã consciência e não acredito só porque me dizem, por mais que sejam e mais tempo que repitam a calúnia.
- Mas se eu me aprofundar, como fica a minha fé?
- Fortalecida. Eu criei o mundo, cabe a você descobrir como eu o fiz. Sete dias mal dão para fazer uma porcelana, quanto mais um mundo inteiro! Eu não contrario as leis decorrentes de minha criação. Se eu fiz, vocês também podem, se descobrirem como.
- Tá me falando que é tudo como um jogo?
- É tudo como uma escola. Se aprender com jogos saudáveis te apraz, assim te ensinarei.
- Jura? O que é a supercorda?
- Duas partículas se atraindo e se repelindo alternadamente. Agora descubra como elas o fazem.
- Mas daí vou descobrir seus segredos!
- Quanto tempo você leva para descobrir o infinito? Por mais que saiba, sempre haverá mais a se saber. Sempre haverá um professor capacitado às suas necessidades.
- Então errar não é passagem para o inferno?
- A única passagem para qualquer lugar é a tua vontade firme, que te mostrará os caminhos para chegar lá, seja aonde for.
- Quanto tempo eu tenho pra aprender?
- O teu tempo.
- Jogo a bíblia fora?
- Não. Aprenda a ler com a mente, para que o coração fique livre para sentir. Não inverta os papéis.
- E... Quando começam as minhas lições?
- Esta foi a primeira.
- Passei?
- Raspando, mas passou.